Temos visto nas relações comerciais internacionais que pequenos e médios empresários (e por vezes até os grandes), não estão se utilizando da forma contratual escrita para oficializar suas transações.
Alegam entre outras questões, que os usos e costumes são regra geral aplicável e que as transações estão “garantidas” pelo Bill of Lading (BL) e pelo Commercial Invoice (CI), sem contar que o restante “já foi resolvido por telefone ou e-mail”.
Acontece que, tanto o BL (também chamado de Conhecimento de Embarque e emitido pelo transportador), quanto o Invoice ou e-mails, embora expressem manifestações de vontade originadas de uma operação contratual (compra e venda por exemplo), não trazem em si toda a extensão da transação e que poderá sim, estar melhor prevista (e garantida) num contrato específico.
Neste contrato e suas cláusulas, poderá estar melhor detalhado não só o objeto da transação, mas também os direitos e obrigações das partes, questões relativas ao seu descumprimento e responsabilidades, multas e, ainda, cláusula de eleição de foro e arbitral.
Deve-se ter em mente, ainda, que a operação de importação ou exportação que está sendo iniciada, ainda passará pelo crivo do controle público (Aduana), que também verificará três questões, quais sejam; a cambial; a tributária e a administrativa.
Somente após isso é que haverá a liberação da mercadoria (desembaraço). Dai a importância de a operação ser bem assessorada desde o inicio, pois, em caso de problemas, as consequências são grandes, gerando reflexos inclusive na esfera penal. Sobre algumas destas cláusulas é que se pretende tratar neste breve estudo.
De início, pode haver uma fase Pré-Contratual. Pode-se aqui, antes de firmar em definitivo o contrato, já estabelecer algumas regras, condições ou documentos de que as partes poderão dispor e que já as vinculam, como por exemplo:
– Carta de Intenção: Espécie de acordo preparatório onde são fixados os elementos essenciais do futuro contrato, estabelecendo-se prazos, pontos de consenso, validade na utilização de e-mails ou mensagens ou pessoas responsáveis, bem como pagamento/divisão de despesas.
– Acordo de confidencialidade ou acordo de sigilo: Como sugere o nome, aqui se estabelecem condições sobre a divulgação ou não dos assuntos a serem tratados, bem como prazo de manutenção de sigilo.
Já na fase Contratual propriamente dita, trata-se de questões mais específicas, por exemplo:
– Introdução: Nesta parte, especial atenção deve-se dar à qualificação das partes e a inexistência de impedimentos que as desautorizem na contratação. Bom sempre lembrar que para um contrato ser considerado válido, tem que haver agente capaz; objeto lícito e possível, determinado ou determinável, sob pena de nulidade.
– Cláusula de risco: Os contratos internacionais, por serem feitos por partes residentes em países diversos, envolvem regulamentações próprias e possuem alguma complexidade, como idioma, sistemas econômicos e práticas comerciais.
Buscando uniformizar alguns procedimentos, criou-se os chamados INCOTERMS (International Commercial Terms) e que representam um conjunto de regras a serem inseridas nos contratos e que determinam basicamente a transferência de risco (condição de entrega do bem objeto do contrato), ou seja, até onde vai a responsabilidade de cada parte (e do transportador).
INCOTERMS são cláusulas de um contrato e não se confunde com o mesmo. Por esta simples razão é que o fato de estarem consignados no BL ou Invoice, não regulamenta operação como um todo.
– Cláusula de força maior: Servem para exonerar a parte em situações que fujam de sua vontade ou previsão. Deve-se aqui delimitar o que se entende por força maior e estabelecer qual o regime jurídico aplicável em caso de necessidade.
– Cláusula de Hardship: Consiste em um instrumento que permite a readequação contratual (equilíbrio) em razão de fatos supervenientes à celebração do contrato, que alterem substancialmente as circunstâncias econômicas a que as partes estavam sujeitas no momento da contratação, visando a preservação do negócio.
Em vínculos de longo prazo ou período de instabilidade econômica, trata-se de cláusula de grande valia. Deve-se definir hipóteses que podem ser consideradas e o regime jurídico a ser aplicado.
– Cláusula para descumprimento: Questão que também não vem inserida em BL ou Incoterm, refere-se à previsão para eventual descumprimento contratual, itens estes que podem ser transformados em cláusulas.
Na hipótese de descumprimento de obrigações pelo vendedor, sabido é que o comprador pode: exigir outras mercadorias em substituição ou redução proporcional no preço ou ainda exigir a rescisão do contrato, sem prejuízo de indenização pelos prejuízos sofridos.
Em sentido contrario, caso o comprador descumpra suas obrigações, caberá ao vendedor: exigir o pagamento, declarar o contrato rescindido ou também pleitear indenização por perdas e danos, inclusive lucros cessantes.
– Cláusula de foro e cláusula arbitral: A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, com relação ao foro (lugar onde deverá ser discutido o contrato), diz que para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.
Há também previsão de que, destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto a alguns requisitos. Por fim, ainda regulamenta questões quanto ao lugar em que é feita a proposta (onde reside o proponente), mas que não será objeto deste estudo.
É usual em contratos internacionais, as partes não se encontrarem para a formalização do contrato. Desta forma, prever-se a legislação que será aplicada ao contrato é fundamental para eventual discussão sobre inadimplemento. Pode a legislação estrangeira ser ou não mais benéfica ao contrato, em especial quanto se tem que tratar de execução final de uma sentença (ou arbitragem).
Os bens do devedor, por exemplo, podem ser melhor expropriados em sua própria sede, coisa a ser pensada previamente pelo contratante/empresário.
Quando à Arbitragem, em síntese, trata-se de um método de resolução de conflitos onde as partes definem que uma ou mais pessoas (árbitros) ou entidade privada que irá solucionar a questão, sem a participação do judiciário. Caracteriza-se por oferecer soluções rápidas e tratadas por agentes especializados a serem oportunamente definidos.
Nela se definem, por exemplo, a cidade sede da arbitragem, qual a câmara, idioma e legislação aplicável, bem como eventual foro judicial para o caso de necessidade, inclusive, de execução da sentença arbitral.
Da análise destas cláusulas e, para concluir, temos que hoje, com a intensificação do comércio internacional, ajudado que é pelos atuais meios de comunicação (e-mail, mensagem eletrônica via celular, etc.), os países e seus comércios estão cada vez mais próximos. Com isto, também se aproximam as culturas e seus hábitos.
Embora cada uma delas tenha seus próprios regramentos, por vezes, estes não são o meio ou a base mais adequada para a solução de controvérsias, razão pela qual, estar a relação comercial/obrigacional esgotada previamente em forma expressa de contrato, é mais salutar e passível de resolução mais justa em caso de discussão.
Por esta razão e pelos valores envolvidos, em transações comerciais internacionais, recomenda-se, sim, a elaboração de contrato escrito.
José Mauricio Gnata Telles